terça-feira, 2 de novembro de 2010

Caso - 11 - Paciente de 23 anos com corrimento uretral....

Primeiramente venho me desculpar pela ausência de mais de um mês. Como todo médico, tive problemas com o trabalho e não tive tempo de atualizar o blog. Mas agora estou de volta firme e forte para mais casos interessantes.


Paciente de 23 anos chega ao PSA com queixas de corrimento uretral. Relata leve ardor ao urinar e leve prurido. Nega qualquer outro sintoma.

O paciente teve história de contato sexual desprotegido 2 dias antes da apresentação do quadro clínico.




Neste caso, qual é a terapia empírica mais apropriada para a resolução do quadro?
a- Imipenem
b- Oxacilina e gentamicina
c- Vancomicina e gentamicina
d- Ceftriaxone e doxiciclina
e- Anfotericina B

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Resposta: D

CORRIMENTO URETRAL

As principais hipóteses diagnósticas são a gonorréia e a uretrite por clamídia. Irei descrever a gonorréia e a conduta empírica nesses casos.

GONORRÉiA

ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS

Descrição - A gonorréia é uma doença infecciosa do trato urogenital, de transmissão por via sexual, que pode determinar desde infecção assintomática até doença manifesta, com alta morbidade. Após contato sexual suspeito e vencidas as barreiras naturais da mucosa, ocorrerá a evolução para a doença. Instaura-se um processo localizado que poderá desenvolver complicações no próprio aparelho urogenital ou à distância, provocando alterações sistêmicas.

Clinicamente, apresenta-se de forma completamente diferente no homem e na mulher. Há maior proporção de casos em homens. Em 70% dos casos femininos, a doença é assintomática.

Gonorréia no homem - Em sua forma localizada, é representada por um processo inflamatório da uretra anterior. Inicia com um prurido discreto junto ao meato urinário e fossa navicular, com o desenvolvimento de um eritema localizado; logo após, surge um corrimento inicial claro que, gradativamente, torna-se purulento. O corrimento é acompanhado de ardor e urgência miccional.

Gonorréia na mulher - O quadro é oligossintomático, caracterizado por corrimento escasso, leitoso, muitas vezes não percebido pela paciente, chegando a mais de 70% o número de portadoras assintomáticas.

O canal endocervical é o local prioritário da infecção gonocócica. A presença de diplococos intra e extracelulares sela o diagnóstico, mas, nas mulheres, é necessário o cultivo em meios especiais, como o Thayer-Martin modificado.

Os sintomas podem se confundir com as infecções do trato genital inferior e se caracterizam pelo aumento da freqüência urinária, disúria e secreção vaginal mucóide ou francamente purulenta.

O colo apresenta-se edemaciado, com ectopia acentuada. O corrimento torna-se irritativo, podendo levar ao edema de grandes e pequenos lábios e, conseqüentemente, dispareunia. Os recém-nascidos de mães doentes ou portadoras podem apresentar conjuntivite gonocócica por contaminação no canal de parto.

Sinonímia - Blenorragia, blenorréia, esquentamento, pingadeira, purgação, fogagem, gota matutina, gono e uretrite gonocócica.

Agente etiológico - Neisseria gonorrhoeae, diplococo gram-negativo.

Reservatório - O homem.

Modo de transmissão - Contato sexual.

Período de incubação - Geralmente, entre 2 e 5 dias.

Período de transmissibilidade - Pode durar de meses a anos, se o paciente não for tratado. O tratamento eficaz rapidamente interrompe a transmissão.

Complicações - No homem, dependendo da extensão da infecção às glândulas anexas, podem ocorrer complicações como balanopostite, colpite, prostatite, epididimite e orquite. A orquiepididimite poderá provocar diminuição da fertilidade, levando até mesmo esterilidade.

Pode também evoluir para quadros sistêmicos, caracterizando a gonococcemia com todas as suas manifestações, como a artrite gonocócica, a síndrome de Fitz-Hugh-Curtis (perihepatite gonocócica) e complicações cardíacas e nervosas.

Na mulher, quando a gonorréia não é tratada, a infecção ascendente de trompas e ovários pode caracterizar a chamada doença inflamatória pélvica (DIP), a mais importante complicação da infecção gonocócica na mulher. A DIP pode estar relacionada com endometrite, salpingite e peritonite.

Alterações tubárias podem ocorrer como complicação dessa infecção, levando 10% dos casos à oclusão tubária e à infertilidade. Naqueles em que não há obstrução, o risco é o desenvolvimento de gravidez ectópica.

Gonorréia disseminada - Cerca de 2% dos pacientes não tratados vão evoluir com disseminação da infecção, manifestando artralgia, mialgia, artrite simétrica e lesões dermatológicas características.

Inicialmente, ocorrem vasculites sépticas que progridem para pústulas necróticas, com preferência pelas extremidades. A febre é baixa e a alteração mais freqüente é a poliartrite; em alguns casos, pode ocorrer tenossinovite dolorosa de extremidades.

Ocasionalmente, a gonorréia provoca complicações como endocardite e meningite.

Diagnóstico - Clínico, epidemiológico e laboratorial. Esse último é feito através do isolamento do agente, pela coloração com gram ou pelos métodos de cultivo. No exame bacterioscópio dos esfregaços, devem ser observados cocos gram-negativos, arranjados aos pares. A cultura também é útil.

Diagnóstico diferencial - Uretrite não-gonocócica por Chlamydia, ureaplasma, tricomoníase, infecção do trato urinário, vaginose por Gardnerella e artrite séptica bacteriana.

Tratamento - Deve ser utilizada uma das opções a seguir:

•Ofloxacina, 400 mg, VO, dose única;
•Penicilina G procaína, 4.800.000UI, IM + 1g de Probenecid, VO;
•Ampicilina, 3,5g, VO +1,0g de Probenecid VO;
•Tetraciclina, 500mg, VO, 6/6 horas, por 7 dias;
•Doxiciclina, 100mg, VO, 12 em 12 horas, por 7 dias;
•Tianfenicol granulado, 2,5g, VO;
•Ciprofloxacina, 500mg, VO;
•Ceftriaxona, 250mg, IM;
•Cefotaxima, 1g, IM;
•Espectinomicina, 2mg, IM.

Deve-se estar atento ao aumento gradual da resistência da Neisseria gonorrhoea às penicilinas. No Brasil, são escassos os estudos realizados sobre esse aspecto. No mundo, há evidências de altos índices de resistência desse agente à antibioticoterapia convencional.

O Ministério da Saúde recomenda tratar simultaneamente gonorréia e clamídia, com Ciprofloxacina, 500mg, dose única, VO, mais Azitromicina, 1g, dose única, VO, ou Doxicclina, 100mg, de 12 em 12 horas, por sete dias.

Características epidemiológicas - Doença de distribuição universal que afeta ambos os sexos, principalmente adultos jovens sexualmente ativos.


VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

Objetivos - Interromper a cadeia da transmissão através de detecção e tratamento precoces dos casos e dos seus parceiros (fontes de infecção); prevenir novas ocorrências por meio de ações de educação em saúde.

Notificação - Não é doença de notificação compulsória nacional. Os profissionais de saúde devem observar as normas e procedimentos de notificação e investigação de estados e municípios.


MEDIDAS DE CONTROLE

Interrupção da cadeia de transmissão pela triagem e referência dos pacientes
com DST e seus parceiros, para diagnóstico e terapia adequados.

Aconselhamento - Orientações ao paciente, fazendo com que observe as possíveis situações de risco presentes em suas práticas sexuais, desenvolva a percepção quanto à importância do seu tratamento e de seus parceiros sexuais e promova de comportamentos preventivos.

Promoção do uso de preservativos - Método mais eficaz para a redução do risco de transmissão do HIV e outras DST. Convite aos parceiros para aconselhamento e promoção do uso de preservativos (deve-se obedecer aos princípios de confiabilidade, ausência de coerção e proteção contra a discriminação). Educação em saúde, de modo geral.

Observação - As associações entre diferentes DST são freqüentes, destacando-se, atualmente, a relação entre a presença de DST e aumento do risco de infecção pelo HIV, principalmente na vigência de úlceras genitais. Desse modo, se o profissional estiver capacitado a realizar aconselhamento, pré e pós-teste para detecção de anticorpos anti-HIV, quando do diagnóstico de uma ou mais DST, deve ser oferecida essa opção ao paciente.

Toda doença sexualmente transmissível constitui evento sentinela para a busca de outra DST e possibilidade de associação com o HIV.

É necessário, ainda, registrar que o Ministério da Saúde vem implementando a “abordagem sindrômica” aos pacientes de DST, visando aumentar a sensibilidade no diagnóstico e tratamento dessas doenças, o que resultará em um maior impacto na redução dessas infecções.

ABORDAGEM SINDRÔMICA



Tratar clamídia e gonorréia

Este quadro de ação orienta para tratamento concomitante da clamídia e gonorréia de forma empírica.






Fonte:
- Habermann TM. Mayo Clinic Internal Medicine Board Review 2004-2005.
Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004:59, 180, 564-565, 755, 1000-
1001.
- Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Manual de Bolso das Doenças Sexualmente Transmissíveis / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Brasília: Ministério da Saúde. 2005. 2ªEd
- Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância
Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – 6. ed. rev. – Brasília : Ministério da Saúde, 2005.


Mais um caso super comum nos ambulatórios e PSA. Vale resaltar a importância do tratamento empírico, ainda mais em se tratando de diversos ambientes de trabalho sem infraestrutura aqui no Brasil. Além disso, o tratamento empírico diminui as complicações, as reicidivas e a transmissão, tendo seu grande valor epidemiológico.


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Abs!!